Um dia ela começou a jogar basquete e eu a gostar de basquete. Um dia, ela começou a cantar e eu na voz dela afinava meu pequeno coração que crescia descompassado.
Ela continuou caminhando e cantando e eu fui aprender a contar histórias.
Aprendia com ela os valores de uma vida, as vezes pelos jornais e revistas, noutros pela televisão. Acompanhava pelo rádio as novas músicas. Gravava em fitas cassete os shows da televisão. Não era raro ouvir: “Por que você gosta tanto de alguém que nem sabe que você existe?” Mas ela sabia, eu desenhava para ela, escrevia cartas e ela sempre respondia.
Em uma infância difícil, por causa das agruras dos adultos, eu tinha um paraíso secreto de melodias, caixas de recortes de revistas, jornais e fotografias.
Teve um dia em que pensei que fosse encontrá-la. Eu a convidei para o meu aniversário e ela marcou um show para o dia seguinte na minha cidade, mas sem idade, fiquei em casa. Ela não foi na minha festa, mas estava pertinho de lá e era isso que importava. “Não existia distância”. “Maior que meu amor”, estava a esperança de que um dia, tomaríamos sorvete numa praça em qualquer lugar.
De todos os impossíveis, este, segundo outros, era o “sonho impossível”.
Ela não acreditava nisso, passei a não acreditar também. Troquei com o “Vendedor de Sonhos” minha bolinha de gude para não perder a teimosia de criança.
Cresci, sem perder a teimosia, ela distante, também cresceu e mais distante ficou. Guardei na carteira a foto com carinho. No meu livro favorito, o cartão com a sua letra marcava as páginas das histórias que aprendia a contar.
Mudei de cidade, de estado, atravessei o mar.
Ela também.
Antes, porém, ela fez uma história que eu podia contar.
Escrevi um livro, plantei uma árvore, tive um filho…
Saltando sobre os impossíveis, falei com ela, a voz cruzou as linhas que foram para a telinha.
Eu a vi, com meu filho, do outro lado da linha, em um tempo em que os encontros ficaram impossíveis.
Ela se apaixonou pela historia que escrevi, cantou e chamou as pessoas para ler e ver.
Num determinado dia, esta historia da bola que também era dela ganhou um premio e ela por sua historia na musica, também foi premiada. O mundo reconhecia duas vezes suas duas historias, no velho continente
Ela no sul, e eu no norte.
Duas horas de distancia… e
Uma escolha.
Escolhi o impossível, que por causa dela se fez realidade. Eu a vi de prêmio na mão. Abracei, ri junto, chorei de emoção. Recolhi meu prêmio no brilho dos olhos dela.
Ela falou de generosidade, amor e respeito.
Dividimos a refeição, o vinho a confiança.
Fotos de Tereza Eugênia Paes e arquivo pessoal
Teve sorvete na praça.
Assim em estado de graça, testemunhei nos olhos de quem nos servia, outro sonho realizado de quem passou a acreditar na possibilidade do impossível.
Obrigada Simone